sexta-feira, 2 de outubro de 2009

Noite

Era uma noite de novembro, no céu a lua cheia brilhava. Lá fora fazia um frio como a muito não se via naquela cidade. Macário pega seu casaco de couro e sai pela rua, já estava atrasado em cinco minutos. Ele era daquelas pessoas que nunca se atrasam, mas havia tido um imprevisto, a velha, dona do apartamento onde morava, lhe consumiu um tempo cobrando o aluguel. E como aquela mulher falava! Fosse outro dia qualquer, nada teria feito se não ignorá-la, mas aquele dia não fora dos melhores, azar o da velha. Compensando o atraso com passadas rápidas não demorou a chegar ao bar. O caminho até ali não lhe agradava nem um pouco, detestava andar por aquelas ruas imundas cheias de prostitutas e traficantes. O bar era uma espelunca, cheio de bêbados aos berros, mal dava para ouvir a musica do ambiente. Tudo que pensava era em dar o fora o quanto antes dali. Sentou-se junto ao balcão pediu um conhaque e ficou esperando o homem que o fizera ir ali. Após uma hora de espera e mais três doses de conhaque, finalmente o sujeito alto de cabelos loiros entra no recinto. A única coisa que sabia sobre ele era que se chamava Estevão, só o vira em uma foto, mas aquela fisionomia não se confundia. O homem parecia já estar meio embriagado, sentou-se na cadeira ao lado, pediu uma vodca e debruçou-se no balcão, a espera de alguém. Puxou conversa, disse que esperava por Vanessa, Macário nada falou, nem expressou reação e o outro prosseguiu falando sozinho. Era ele! tinha certeza. O estranho se cansa do monólogo e da espera. Ela não viria mais. Paga a conta dá boa noite e sai pela porta. Já na rua, joga fora a ponta do cigarro e põe a mão no bolso. Alguém o segue. Macário espera o outro se virar e dispara três tiros. Acabará de matar mais um homem cuja história não conhecia nada, apenas sabia que agora deveria ir as docas para receber a outra metade do dinheiro combinado com aquela mulher. Não podia demorar, afinal ainda tinha o corpo daquela velha falastrona que matará mais cedo, para esconder, e logo amanheceria.

Por: Levi Almeida JR

terça-feira, 15 de setembro de 2009

O mudo fofoqueiro


No pequeno município de Nazaré das Contas, como em todo interiorzinho do nordeste, a vida dos outros é a principal ocupação da população. Fofoqueiros e fofoqueiras de plantão passam o dia todo à espreita de “novidades alheias” para virar assunto nas rodas de conversa. É aquela vizinha saidinha demais da conta, é a filha da comadre que anda de fornicação com o namorado, é o filho do compadre que é baitola. Tudo é do conhecimento de todos e nada fica em segredo na pequena Nazaré das Contas. Nem mesmo os detalhes mais íntimos da vida dos casais ficam entre quatro paredes. Tal situação se da por arte de um mudo muito do fofoqueiro.

Mudinho Raimundo sabe de tudo sobre cada contense, e faz questão de espalhar pra o mundo inteiro as histórias que chegam ao seu conhecimento. Certa vez o excomungado fez até um jornalzinho para falar da vida dos outros. Sua carreira de jornalista acabou quando saiu no “diário de fofocas” uma reportagem sobre Santinha, a mulher de Gorila do Brejo que é simplesmente o maior valentão de Nazaré das Contas, e o maior corno também. O homem ficou uma fera com as historias publicadas: era o padeiro, o leiteiro, o guardinha, todo mundo tinha pegado Santinha, que de santa só tem mesmo o nome. Num deu outra o gorila baixou o sarrafo no mudo e desde então ele não quis mais saber de noticias escritas. O jornal acabou por motivos de força maior: censura da braba, embaixo de pancada. Parou de publicar suas fofocas, mas não largou o oficio de jornalista da vida alheia. Se remexe, gesticula, faz até posição obscena para encenar os segredos mais íntimos. A falta da fala não atrapalha de jeito nenhum a transmissão da informação.

É um verdadeiro mistério para o povo como o mudinho Raimundo sabe de tanta coisa, tanto segredo. Há quem diga que ele é vidente, há quem diga até que ele tem parte com o demo. Volta e meia toma uns safanões por cima da cara, de cabra que quer saber como ele fica sabendo dos causos. Mas como todo bom jornalista nem sob tortura revela as fontes.

Se você achou curioso o caso de um mudo fofoqueiro, imagine só que coisa; mais fofoqueiro que o mudo é o padre Venâncio da paróquia de Nazaré das Contas. O pároco é quem conta tudo para o nosso jornalista sem fala, num pode ouvir uma confissão de um fiel que vai logo contar para o excomungado. Como não pode revelar para ninguém a confissão, ele não resiste e conta para Raimundo na inocência de que este por não falar, vai guardar segredo. Depois de contar uma história sobre alguém o padre sempre fala “olha lá! Não vá me falar isso para ninguém”. É falar, falar o mudo Raimundo não fala pra ninguém.


(Por: Levi Almeida JR)

segunda-feira, 7 de setembro de 2009

Um dia de Cão


Segunda feira. Já eram oito horas da manhã e eu ainda na cama. Maldito despertador! Digo celular, sempre esqueço de carregar. Por que a bateria tem que durar tão pouco? Pego meu caderninho de anotações e primeira anotação do dia: meu próximo celular deverá ter uma bateria de longa duração, se possível alguma tecnologia atômica de duração infinita. Após me vestir as pressas, saio de casa sem tomar meu café da manhã. É já dava pra saber que aquele não seria um dia fácil. Não fazer a refeição matinal acaba com o dia de qualquer um!

Sigo para o ponto de ônibus. Bom pelo menos a esse horário os ônibus não vão tão lotados, um lado positivo de sair tarde. Para minha surpresa não hoje! Parece que todos decidiram sair tarde, entro na lotação e viro mais uma sardinha esperando o momento de ser expelido do veiculo. Chego à faculdade com quase duas horas de atraso e descubro que era dia de prova. Devo ter cerca de vinte minutos para responder dez questões abertas sobre tendências do jornalismo contemporâneo e suas implicações na formação da opinião pública. Moleza! Sem contar que não estudei nada! Entrego a prova tendo respondido apenas à metade da primeira questão. Já é hora de almoçar, sem tempo nem dinheiro para escolher um bom lugar, fico com a primeira espelunca que surge no meu campo de visão. Após meia esperando o almoço me surge um prato deplorável na mesa. A comida é péssima, mas como estou de barriga vazia a manhã toda me submeto a esse sacrifício. Segunda anotação do dia: não voltar mais naquele lugar. Acabo de almoçar e de repente alguns homens da vigilância sanitária entram no restaurante e fecham o recinto por falta de condições sanitárias. Na porta, várias pessoas fazem comentários, o único que vem nitidamente aos meus ouvidos é: “parece que encontraram até rato nas panelas”.

Bem prossigo sorrindo neste dia lindo, afinal a vida é bela. Dirijo-me para uma comunidade carente, com o firme propósito de fazer uma entrevista com a população local sobre o problema da dengue. Peço informações para um garoto na rua e ele me assalta, levando meu relógio, dinheiro e o celular. Terceira anotação do dia: evitar transitar por comunidades cujo índice de criminalidade situa-se acima da media. De volta ao jornal onde trabalho, sugiro uma matéria sobre a violência no país. Afinal isso é um absurdo a pessoa não tem nem o direito de ir e vir sem ser roubado! As três da tarde o almoço começava a mostrar seus efeitos. Corro para o banheiro e permaneço inerte ali por cerca de uma hora, provavelmente meu problema intestinal será motivo de piada pelos próximos anos. Já é noite, chego em casa. Sobrevivi! Ufa! Ultima anotação do dia: O que aprendi hoje: não saia de casa quando você acha que tudo vai dar errado. Fique doente!


(Por Levi Almeida JR)